Wednesday, July 19, 2006

A elite cultural da Terra Média

Estudar na USP, PUC, Mackenzie, Cásper, etc. não é nem um pouco fácil. Não pelo vestibular e pelas provas de final de semestre – não, não! Essas, todos os estudantes informarão que basta um pouco de esforço e estudo (e em algumas matérias, nem isso...) que se consegue passar.
A grande dificuldade não é culpa da universidade em si, mas do infeliz que um dia falou para os estudantes de todas estas instituições que “vocês fazem parte da elite cultural e intelectual do país”. Deus do céu! Prefiro não entrar aqui no mérito da questão (mais uma vez...), mas há de se concordar que isso é uma responsabilidade imensa! E é assim, com o peso dessa responsabilidade sobre nossas costas que somos obrigados a encarar o mundo, conforme somos treinados nas melhores escolas da cidade desde os sete anos de idade.
O resultado, como já era de se imaginar, é um só: nos tornamos chatos! Sim, chatos, no sentido mais vil, mesquinho e chato da chatice! Sentimo-nos na obrigação de tudo discordar, de não seguir as grandes massas, de sempre estar no carro abre-alas da contra-cultura.
Para atingir esses objetivos, cada um elege seus alvos favoritos: Daizy Tigrona, Tati Quebra-Barraco, Gugu Liberato, João Kleber, Lya Luft, Paulo Coelho, Dan Brown e Sylvester Stalone. O ‘não li e não gostei’ não parece um grande crime para nós. E, que fique claro, quando se lê, o objetivo é um só: arranjar as justificativas para o fato de não ter gostado da obra, procurar seus mais ínfimos deslizes.
No entanto, como puderam reparar pelo último post neste Blog, às vezes caímos do cavalo. Entretanto, hoje não falarei novamente sobre Da Vinci e seu Código, mas sim sobre aquele que foi meu alvo preferido nos últimos cinco anos: J. R. R. Tolkien.
Sem dúvida, escolher Tolkien como alvo principal não é uma tarefa fácil, afinal, mesmo dentro da “elite cultural” ele tem seus defensores e fãs. Talvez tenha sido justamente isso que nos fez optar por ele como alvo principal: o desafio, o prazer em torrar a paciência de um fanático. Sim, porque não existe nada mais irritante do que um fanático – e nada mais divertido do que irritar um fanático. Os fanáticos não aceitamos argumentos (wow! Silepse!), não aceitamos opiniões contrárias e, não, não podemos levar esse simples comentário numa boa.
Hoje, no entanto, é dia de sacar o véu e mostrar nossa verdadeira face. Sim, eu confessarei, não acho Tolkien tão ruim assim... Não, isso não significa que eu vá aceitar calmamente pessoas ensandecidas afirmando que ele é o maior escritor de todos os tempos. Afinal, se a elite cultural não defender o humor de Machado de Assis, a classe de Eça de Queiroz e o brilhantismo de Scott Fitzgerald (para não citar os mestres que não lemos mas temos que falar bem, invariavelmente, pelo simples fato de fazermos parte da elite cultural, como Proust, Joyce, etc, etc), quem mais os defenderá?
O que poucos que convivem comigo sabem é que quando li O Hobbit nos idos de 1999, considerei-o um baita livro! Não tive dúvida e adquiri o primeiro volume de Senhor dos Anéis assim que pude. Quando acabei o primeiro volume, num final de tarde chuvoso de sexta-feira, obriguei alguém de casa a me levar até a livraria mais próxima para poder comprar os dois volumes restantes o mais rápido possível.
Pois bem, comprei-os e devorei a primeira metade do volume dois em poucos dias, até que Frodo e Sam reapareceram em minha vida. E então...Deus do céu! Jamais consegui passar do Capítulo II do Livro IV.
Vislumbro dois culpados para essa história toda: Frodo, que deve ter se revelado um personagem bastante enfadonho para mim na época, ou, quem sabe, Michael Ende, autor de História Sem Fim, talvez o grande livro/filme de minha infância.
As semelhanças entre História Sem Fim e SdA são evidentes. Não existem dúvidas que o segundo foi verdadeira condição para que o primeiro existisse, o que, fique claro, não significa cópia, mas verdadeira inspiração.
Suponho que a impressão que eu tinha, do alto de meus quinze anos, era uma só: Michael Ende instaurou a antropofagia na literatura de fantasia alemã. Ende teria engolido, devorado Senhor dos Anéis e colocado-o para fora, impregnado pelo pragmatismo germânico, que talvez tenha sido justamente o que me conquistou.
Tudo aquilo que os fãs de Tolkien consideram méritos e trunfos, eu considero besteira: ele criou uma língua nova! Ele criou uma Terra nova, com mapas e tudo mais! E daí? A impressão que sempre tive foi que isso não passava de uma grande perda de tempo – Ende não criou um alfabeto novo e não precisou desenhar mapas de Fantasia e, ainda assim, conseguiu criar um universo tão apaixonante quanto o de SdA em apenas um volume.
Devo confessar que é no mínimo curioso a História Sem Fim ser composta por um único volume, que já li duas vezes, enquanto Senhor dos Anéis, tem três volumes, que jamais consegui chegar ao fim.
A impressão que dá, realmente, é a de que, embora se diga que tamanho não é documento, ele ainda impressiona as pessoas, contando pontos a favor do prolixo Tolkien.

O fato é que, vendo o post anterior, em que admito que li e gostei de Código da Vinci e vendo o que acabo de escrever, assumindo, de uma forma mascarada, é claro, mas assumindo que até gosto de Tolkien, uma dúvida assustadora começa a tomar conta de mim: estaria eu ficando menos chato??

3 comments:

Guilherme said...

Pronto pra tocar Simple Plan?

Paulo said...

Um passo por vez, por favor...

Moon Safari said...

Não, Speed.
Pra ser "muito chato", você tem ainda que melhorar bastante.
Brincadeira (+ ou -). Eu não diria 'chato', mas 'extremamente seletivo'.